Ferramentas
de Gestão para Viabilizar Recursos
A
medicina experimentou, nos últimos anos, importante avanço em várias áreas,
particularmente aquelas mais dependentes de novas tecnologias. A obtenção de
imagem e a precisão de diagnósticos, assim como amplitude de opções
terapêuticas, produziram uma imagem da medicina quase irreconhecível para quem
a visualizada há poucas décadas. A tradução em melhora prognóstica gerou um
fenômeno de cronificação de patologias antes compreendidas como terminais. Uma
conseqüência inevitável é o aumento de oferta de tecnologias as quais os
profissionais da saúde são expostos. Considerando que trabalhamos com limites
de budget e, sincronizado com o
cenário já estabelecido no mundo, foram criadas etapas sistemáticas por parte
de gestores públicos e privados, que tentam buscar equilíbrio junto ao
profissional focado em assistência, para que cada análise seja a mais
sofisticada possível. Em um ambiente de relação entre prestadores e pagadores
que é permeado por incertezas e desconfianças, com formato de remuneração
historicamente enviesado (Stefani, 2005), a busca de equilíbrio e novas formas
de gestão são desafio importante. Neste artigo serão discutidas 2 ferramentas
aplicáveis no controle gerencial: Medicina Baseada em Evidência e
Farmacoeconomia.
Medicina
Baseada em Evidência (MBE)
Inicialmente
compreendida com desconfiança, principalmente por aqueles que acreditavam que a
base científica de análises sistemáticas da literatura pudesse ferir a tomada
de decisão individualizada sustentada na experiência profissional de cada
médico. O tempo mostrou que ambas as leituras são bem vindas e se completam. A criação de uma modelo sistemático de
análise crítica permite,
evidentemente,
fugir de percepções enviesadas e frágeis. A ausência de boa evidência
científica não necessariamente significa evidência de resultados negativos. Não
são poucos os exemplos de impressões médicas que foram endossadas por estudos
bem conduzidos e reproduzidos, assim como algumas percepções intuitivas se
mostraram equivocadas. Importante, portanto, que o ambiente dos estudos
originais seja reproduzido da melhor forma possível. A observância dos
critérios de inclusão, assim como a leitura nas entrelinhas, permite que as
conclusões sejam muito mais amplas do que as descritas nos resumos dos estudos.
A
utilização de desfechos intermediários (como nível sérico de determinada
substância, tempo para atingir nível terapêutico, ...) que não se traduzem em
benefício prognóstico pode levar a um julgamento inadequado do real desempenho
de determinado tratamento (Willians G & Pazdur R, 2005). Infelizmente, são
poucos os verdadeiros grandes avanços em oncologia clínica, que trouxeram
aumento significativo de sobrevida e chance de cura. Entre as causas da
dificuldade encontrada na confecção de estudos clínicos ideais em oncologia
está a impossibilidade de cegamento perfeito na randomização, uma vez que a
toxicidade é frequentemente percebida, e a inviabilidade ética de uso de
placebos nos braços controles. Mesmo assim, ótimos estudos clínicos em
oncologia foram apresentados nos últimos anos, com importantes avanços
prognósticos. Outra forma equivocada de se fazer análise crítica é a
concentração desproporcional no verdadeiro significado do “p”. Enquanto um “p”
claramente significativo (tradicionalmente < 0,05) é basicamente uma chance
pequena de que a diferença observada no tema testado seja por acaso (5% de
chance no p =0,05), muitos leitores desatentos compreendem erradamente o “p
significativo” como uma grande diferença clínica. Um exemplo especialmente
disponível dos esforços para revisão sistemática de literatura é a Cochrane Collaboration. A sugestão do
epidemiologista britâncio Archie Cochrane foi que uma visão crítica,
sistemática e atualizada de todos os
estudos
relevantes randomizados controlados em assistência a saúde era fundamental para
equacionar o real impacto dos estudos médicos para o atendimento ao paciente.
As operadoras de saúde, situadas em meio a grande debate sobe necessidade de
suplementar as carências do sistema público, utilizam a MBE como uma das poucas
estratégias sustentáveis, para questionar a demanda desfreada e nem sempre tão
crítica.
Análises
Farmacoeconômicas
Ainda
não tão difundida como a MBE, a Economia em Saúde é a disciplina que analisa
aspectos de saúde e assistência médica com foco nos custos (inputs) e nos desfechos (outcomes) de intervenções médicas usando
métodos e teorias de ciências de saúde e ciências econômicas. A farmacoeconomia
é uma coleção de técnicas descritivas e analíticas para avaliar uma intervenção
farmacêutica no sistema de assistência de saúde. As várias formas de análise
farmacoeconômicas tentam quantificar o recurso necessário para incorporação de
cada nova tecnologia (entenda-se, inclusive, ampliação de indicações de
medicamentos) de forma que sejam priorizadas aquelas estratégias que vão
beneficiar o maior número de pessoas pelo maior tempo possível (Meltzer, 2001; Kobelt G, 2002; Smith,
2003). Um programa de saúde, protocolo médico ou novo medicamento deve ser
sempre comparado com alguma alternativa (que pode ser uma estratégia
considerada padrão ou, até mesmo, somente observação sem intervenção). O
benefício de uma intervenção é algum melhor resultado comparado com o desfecho
de uma segunda intervenção, ambos expressos em unidade monetária. Esta á a
análise de custo benefício. Já a análise de custo-efetividade, por exemplo, é
um tipo de análise que compara drogas ou protocolos com o mesmo desfecho (por
exemplo, anos de vida salvo) numa situação em que, com determinado valor
financeiro disponível, o gestor deseja maximizar o benefício conferido a
população em questão. Uma
análise de custo minimização é aquela que busca a estratégia menos onerosa para
desfechos equivalentes. Outra análise, mais complexa é o custo-utility,
que
mede o benefício em anos de vida ganho ajustado por qualidade (QALYs),
computando o custo para cada QALY comparando diferentes alternativas.
Tipicamente, as sociedades estabelecem o que consideram uma relação
custo-efetividade aceitável para intervenções médicas. A maioria das
instituições regulatórias, inclusive no Brasil, foca seus esforços de análise
de desfechos e benefícios, mas refletem aspectos econômicos em todas as
direções, com co-participação em custos, tetos orçamentários e restrições
contratuais privadas. A Organização Mundial de Saúde (WHO, 2001) tenta
estabelecer como custo efetivo toda tecnologia que expresse menos do que 3
vezes o produto interno bruto (PIB) per capita para aquela população. Por
exemplo, se o PIB per capita de um país é U$ 30 mil, qualquer tecnologia que
seja superior a U$ 90 mil por ano de vida ganho ajustado por qualidade (QALY)
não é custo-efetivo e deve se rejeitado, priorizando
outras
tecnologias. Estas análises farmacoeconômicas, entre outras, tentam definir uma
estratégia para que as fontes pagadoras possam alocar seus recursos de forma a
beneficiar o conjunto. Na prática da gestão, muito mais complexa devido à
necessidade de oferecer a melhor opção possível ao paciente específico, a
leitura clara de cada conceito acima permite, pelo menos, quantificação do real
benefício que cada esforço assistencial nos oferece. Da mesma forma, a tradução
dos conceitos para a prática assistencial da medicina pública e privada deve
incorporar Cálculos de Impacto Financeiro (Budget
Impact Analysis) para que evite o cenário cruel de existência de
alternativas medicamente corretas, com análises farmacoeconômicas favoráveis,
mas que não estejam previstas na alocação de recursos de determinado programa.
Aplicando
os conceitos
Transpondo os conceitos de MBE e de farmacoeconomia
na prática médica assistencial, surgem outros fatores implacáveis como demandas
judiciais e relacionamentos truculentos entre as partes envolvidas. Já se
identificou que a intervenção educativa aos médicos reduz a prescrição
inadequada de medicamentos (Thompson, 1998). Selecionando especificamente os
estudos randomizados, em que eram comparados grupos com e sem a visita
educativa, foram identificadas reduções de prescrições em proporções elevadas
(15% e 68%, nos grupos com e sem intervenção respectivamente). Há mais de uma
década, entretanto, já se identificava o benefício da intervenção, mas também a
dificuldade de implementação do método em larga escala (Soumerai, 1990). É
reconhecida e notória, entretanto, a dificuldade de mobilização e integração
para definição sistemática de diretrizes assistenciais aplicáveis. Fica sempre
a ressalva que qualquer tipo de diretriz não pode ser identificado como a
estratégia “salvadora da colheita” uma vez que a incorporação de recursos
corretos e, mesmo otimizados, deve trazer necessidade de incremento em alocação
financeira, mesmo que protocolos rígidos sejam obedecidos.
Cabe equacionar, com os conceitos apresentados,
quanto isso impacta nos resultados esperados pelos alocadores de recursos, de
forma que minimize o risco de necessidade de busca extraordinária de
financiamento. Esta busca de financiamento pode ser limitada pelos órgãos
governamentais ou mesmo pelo limite financeiro dos verdadeiros financiadores da
saúde: a população.
Conclusão
Reforça-se
que a meta universal é garantir acesso aos bons avanços que a medicina
felizmente tem conseguido, principalmente respeitando qualidade, dentro das
possibilidades atuariais que nosso sistema permite. A implantação de um modelo
gerencial sustentável prevê utilização de ferramentas reconhecidas e bem
estudadas, que estão cada vez mais
presentes na rotina dos gestores.
Bibliografia citada
Kobelt G. Health Economics: an introduction to economic evaluation.
London : OHE,
2002
Meltzer MI. Introduction to Health
Economics to Physicians. Lancet. 358, 2001: 966
Smith M. Health Care Cost, Quality and Outcomes. ISPOR Book of Terms,
2003. 264 p.
Soumerai S, Avron J. Principals
of education outreach (Academic detailing) to improve clinical decisions making.
JAMA,.263, p. 549-556, 1990.
Stefani SD. O tumultuado cenário das relações de prestadores e fontes
pagadoras. Rev Bras Oncol Clínica 2(1): 19–24, 2005.
Thompson M et al. Review:
Educational outreach visits combined with additional interventions reduce
inappropriate prescribing by physicians. Evidence-Based Medicine, v.3,
n4, p.128, 1998.
WHO Commission. Macroeconomics and health: investing in health for
economic development.. Report of the Commission on macroeconomics and Health.
Geneva : World
Health Organization; 2001
Williams G & Pazdur R. Endpoints for Câncer Drug Approval:
Regulatory Considerations. Am Soc Clin Oncol Ed Book, 2005: 482-6
Nenhum comentário:
Postar um comentário