segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

VIABILIDADE DE RECURSOS


 

Ferramentas de Gestão para Viabilizar Recursos

 

A medicina experimentou, nos últimos anos, importante avanço em várias áreas, particularmente aquelas mais dependentes de novas tecnologias. A obtenção de imagem e a precisão de diagnósticos, assim como amplitude de opções terapêuticas, produziram uma imagem da medicina quase irreconhecível para quem a visualizada há poucas décadas. A tradução em melhora prognóstica gerou um fenômeno de cronificação de patologias antes compreendidas como terminais. Uma conseqüência inevitável é o aumento de oferta de tecnologias as quais os profissionais da saúde são expostos. Considerando que trabalhamos com limites de budget e, sincronizado com o cenário já estabelecido no mundo, foram criadas etapas sistemáticas por parte de gestores públicos e privados, que tentam buscar equilíbrio junto ao profissional focado em assistência, para que cada análise seja a mais sofisticada possível. Em um ambiente de relação entre prestadores e pagadores que é permeado por incertezas e desconfianças, com formato de remuneração historicamente enviesado (Stefani, 2005), a busca de equilíbrio e novas formas de gestão são desafio importante. Neste artigo serão discutidas 2 ferramentas aplicáveis no controle gerencial: Medicina Baseada em Evidência e Farmacoeconomia.

 

Medicina Baseada em Evidência (MBE)

Inicialmente compreendida com desconfiança, principalmente por aqueles que acreditavam que a base científica de análises sistemáticas da literatura pudesse ferir a tomada de decisão individualizada sustentada na experiência profissional de cada médico. O tempo mostrou que ambas as leituras são bem vindas e se completam.    A criação de uma modelo sistemático de análise crítica permite,

 

 

 

evidentemente, fugir de percepções enviesadas e frágeis. A ausência de boa evidência científica não necessariamente significa evidência de resultados negativos. Não são poucos os exemplos de impressões médicas que foram endossadas por estudos bem conduzidos e reproduzidos, assim como algumas percepções intuitivas se mostraram equivocadas. Importante, portanto, que o ambiente dos estudos originais seja reproduzido da melhor forma possível. A observância dos critérios de inclusão, assim como a leitura nas entrelinhas, permite que as conclusões sejam muito mais amplas do que as descritas nos resumos dos estudos.

A utilização de desfechos intermediários (como nível sérico de determinada substância, tempo para atingir nível terapêutico, ...) que não se traduzem em benefício prognóstico pode levar a um julgamento inadequado do real desempenho de determinado tratamento (Willians G & Pazdur R, 2005). Infelizmente, são poucos os verdadeiros grandes avanços em oncologia clínica, que trouxeram aumento significativo de sobrevida e chance de cura. Entre as causas da dificuldade encontrada na confecção de estudos clínicos ideais em oncologia está a impossibilidade de cegamento perfeito na randomização, uma vez que a toxicidade é frequentemente percebida, e a inviabilidade ética de uso de placebos nos braços controles. Mesmo assim, ótimos estudos clínicos em oncologia foram apresentados nos últimos anos, com importantes avanços prognósticos. Outra forma equivocada de se fazer análise crítica é a concentração desproporcional no verdadeiro significado do “p”. Enquanto um “p” claramente significativo (tradicionalmente < 0,05) é basicamente uma chance pequena de que a diferença observada no tema testado seja por acaso (5% de chance no p =0,05), muitos leitores desatentos compreendem erradamente o “p significativo” como uma grande diferença clínica. Um exemplo especialmente disponível dos esforços para revisão sistemática de literatura é a Cochrane Collaboration. A sugestão do epidemiologista britâncio Archie Cochrane foi que uma visão crítica, sistemática e atualizada de todos os

estudos relevantes randomizados controlados em assistência a saúde era fundamental para equacionar o real impacto dos estudos médicos para o atendimento ao paciente. As operadoras de saúde, situadas em meio a grande debate sobe necessidade de suplementar as carências do sistema público, utilizam a MBE como uma das poucas estratégias sustentáveis, para questionar a demanda desfreada e nem sempre tão crítica.

 

 

 

 

Análises Farmacoeconômicas

 

Ainda não tão difundida como a MBE, a Economia em Saúde é a disciplina que analisa aspectos de saúde e assistência médica com foco nos custos (inputs) e nos desfechos (outcomes) de intervenções médicas usando métodos e teorias de ciências de saúde e ciências econômicas. A farmacoeconomia é uma coleção de técnicas descritivas e analíticas para avaliar uma intervenção farmacêutica no sistema de assistência de saúde. As várias formas de análise farmacoeconômicas tentam quantificar o recurso necessário para incorporação de cada nova tecnologia (entenda-se, inclusive, ampliação de indicações de medicamentos) de forma que sejam priorizadas aquelas estratégias que vão beneficiar o maior número de pessoas pelo maior tempo possível (Meltzer, 2001; Kobelt G, 2002; Smith, 2003). Um programa de saúde, protocolo médico ou novo medicamento deve ser sempre comparado com alguma alternativa (que pode ser uma estratégia considerada padrão ou, até mesmo, somente observação sem intervenção). O benefício de uma intervenção é algum melhor resultado comparado com o desfecho de uma segunda intervenção, ambos expressos em unidade monetária. Esta á a análise de custo benefício. Já a análise de custo-efetividade, por exemplo, é um tipo de análise que compara drogas ou protocolos com o mesmo desfecho (por exemplo, anos de vida salvo) numa situação em que, com determinado valor financeiro disponível, o gestor deseja maximizar o benefício conferido a população em questão. Uma análise de custo minimização é aquela que busca a estratégia menos onerosa para desfechos equivalentes. Outra análise, mais complexa é o custo-utility,

que mede o benefício em anos de vida ganho ajustado por qualidade (QALYs), computando o custo para cada QALY comparando diferentes alternativas. Tipicamente, as sociedades estabelecem o que consideram uma relação custo-efetividade aceitável para intervenções médicas. A maioria das instituições regulatórias, inclusive no Brasil, foca seus esforços de análise de desfechos e benefícios, mas refletem aspectos econômicos em todas as direções, com co-participação em custos, tetos orçamentários e restrições contratuais privadas. A Organização Mundial de Saúde (WHO, 2001) tenta estabelecer como custo efetivo toda tecnologia que expresse menos do que 3 vezes o produto interno bruto (PIB) per capita para aquela população. Por exemplo, se o PIB per capita de um país é U$ 30 mil, qualquer tecnologia que seja superior a U$ 90 mil por ano de vida ganho ajustado por qualidade (QALY) não é custo-efetivo e deve se rejeitado, priorizando

 

 

outras tecnologias. Estas análises farmacoeconômicas, entre outras, tentam definir uma estratégia para que as fontes pagadoras possam alocar seus recursos de forma a beneficiar o conjunto. Na prática da gestão, muito mais complexa devido à necessidade de oferecer a melhor opção possível ao paciente específico, a leitura clara de cada conceito acima permite, pelo menos, quantificação do real benefício que cada esforço assistencial nos oferece. Da mesma forma, a tradução dos conceitos para a prática assistencial da medicina pública e privada deve incorporar Cálculos de Impacto Financeiro (Budget Impact Analysis) para que evite o cenário cruel de existência de alternativas medicamente corretas, com análises farmacoeconômicas favoráveis, mas que não estejam previstas na alocação de recursos de determinado programa.

 

Aplicando os conceitos

 

Transpondo os conceitos de MBE e de farmacoeconomia na prática médica assistencial, surgem outros fatores implacáveis como demandas judiciais e relacionamentos truculentos entre as partes envolvidas. Já se identificou que a intervenção educativa aos médicos reduz a prescrição inadequada de medicamentos (Thompson, 1998). Selecionando especificamente os estudos randomizados, em que eram comparados grupos com e sem a visita educativa, foram identificadas reduções de prescrições em proporções elevadas (15% e 68%, nos grupos com e sem intervenção respectivamente). Há mais de uma década, entretanto, já se identificava o benefício da intervenção, mas também a dificuldade de implementação do método em larga escala (Soumerai, 1990). É reconhecida e notória, entretanto, a dificuldade de mobilização e integração para definição sistemática de diretrizes assistenciais aplicáveis. Fica sempre a ressalva que qualquer tipo de diretriz não pode ser identificado como a estratégia “salvadora da colheita” uma vez que a incorporação de recursos corretos e, mesmo otimizados, deve trazer necessidade de incremento em alocação financeira, mesmo que protocolos rígidos sejam obedecidos.

Cabe equacionar, com os conceitos apresentados, quanto isso impacta nos resultados esperados pelos alocadores de recursos, de forma que minimize o risco de necessidade de busca extraordinária de financiamento. Esta busca de financiamento pode ser limitada pelos órgãos governamentais ou mesmo pelo limite financeiro dos verdadeiros financiadores da saúde: a população.

 

 

 

 

Conclusão

Reforça-se que a meta universal é garantir acesso aos bons avanços que a medicina felizmente tem conseguido, principalmente respeitando qualidade, dentro das possibilidades atuariais que nosso sistema permite. A implantação de um modelo gerencial sustentável prevê utilização de ferramentas reconhecidas e bem estudadas, que estão cada vez  mais presentes na rotina dos gestores.

 

Bibliografia citada

 

Kobelt G. Health Economics: an introduction to economic evaluation. London: OHE, 2002

Meltzer MI. Introduction to Health Economics to Physicians. Lancet. 358, 2001: 966

Smith M. Health Care Cost, Quality and Outcomes. ISPOR Book of Terms, 2003. 264 p.

Soumerai S, Avron J. Principals of education outreach (Academic detailing) to improve clinical decisions making. JAMA,.263, p. 549-556, 1990.

Stefani SD. O tumultuado cenário das relações de prestadores e fontes pagadoras. Rev Bras Oncol Clínica 2(1): 19–24, 2005.

Thompson M et al. Review: Educational outreach visits combined with additional interventions reduce inappropriate prescribing by physicians. Evidence-Based Medicine, v.3, n4, p.128, 1998.

WHO Commission. Macroeconomics and health: investing in health for economic development.. Report of the Commission on macroeconomics and Health. Geneva: World Health Organization; 2001

Williams G & Pazdur R. Endpoints for Câncer Drug Approval: Regulatory Considerations. Am Soc Clin Oncol Ed Book, 2005: 482-6

 

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