Perspectivas em transplante renal: novas terapias a
caminho...
Ana Paula Fernandes Bertocchi
Alvaro Pacheco-Silva
Niels Olsen Saraiva Câmara
Laboratório de Imunologia Clínica
e Experimental
Disciplina de Nefrologia
Universidade Federal de São Paulo
- EPM
Introdução
Desde o
primeiro transplante renal bem sucedido realizado entre irmãos gêmeos idênticos
em 1954 em Boston, foram testadas e introduzidas diferentes terapias
imunossupressoras capazes de diminuir ou impedir a resposta alloimune ao enxerto
renal. A principal delas, e que permitiu o avanço do transplante renal, foi a
introdução da azatioprina, usada por muito tempo em combinação com altas doses
de corticóides. Porém, foi a introdução
da ciclosporina (CsA) em 1983 que determinou grande melhora na sobrevida do
enxerto renal a curto prazo, diminuindo a incidência de rejeição aguda em torno
de 15%1.
No início da
década de 90 havia grande número de drogas em ensaios clínicos, sendo
introduzido o tacrolimo que mostrou estar associado à menor freqüência de
rejeição aguda, melhor função renal e leve melhora na sobrevida renal tardia
comparado à ciclosporina2,3 Na segunda metade da década, o
micofenolato de mofetil (MMF) e o sirolimo (SRL) aumentaram o arsenal de opções
de drogas imunossupressoras, melhorando ainda mais a sobrevida do enxerto a
curto prazo.
Atualmente
O tratamento
imunossupressor atual é baseado em uma fase pré-adaptativa e em outra, pós-adaptativa,
de acordo com a relação entre enxerto renal/receptor e tratamento, de modo que
se reduza ao máximo a incidência de rejeição e que se diminua a imunossupressão
gradativamente. Portanto, o objetivo da
imunossupressão na fase pré-adaptativa é prevenir ou atenuar a rejeição ao
enxerto no período mais freqüente desta ocorrer, de 3 a 6 meses, mantendo boa função renal até a fase
pós-adaptativa, quando as drogas serão reduzidas ou até retiradas.
A
imunossupressão convencional inicia-se com uma droga inibidora da calcineurina
(ciclosporina ou tacrolimo), um segundo agente (azatioprina ou MMF) e um corticóide.
Freqüentemente é usada terapia de indução com anticorpos policlonais (ATG ou
ALG) ou monoclonais (anti-CD3 e anti-IL-2R). Após 3 a 6 meses, são utilizadas 2
ou 3 drogas com suas doses minimizadas.
O
novo foco no tratamento do transplante renal baseia-se em alternativas ao uso
de inibidores da calcineurina (CNI) a longo prazo e na minimização do uso do
corticóide. O uso de MMF, daclizumab (anti-CD25, Zenapax®) e corticóide como
forma de evitar o uso de CNI mostrou maior incidência de rejeição aguda porém com
sobrevida e função renal melhores a longo prazo4. Alguns estudos em
animais mostraram que a combinação de MMF e sirolimo preveniu a rejeição
crônica5. Quanto à minimização do uso do corticóide, um estudo
mostrou que fazendo indução com anticorpo anti-IL-2 e mantendo MMF e tacrolimo
ou ciclosporina, pôde-se retirar a corticoterapia já na primeira semana
pós-transplante renal sem prejuízos em relação à rejeição aguda ou sobrevida do
enxerto6.
O futuro
Apesar
do aumento na sobrevida do enxerto renal a curto prazo nos últimos 20 anos,
principalmente após a introdução da CsA seguida do MMF, a longo prazo houve
mínima melhora. Portanto, os novos rumos em relação à terapia imunossupressora
no transplante renal focalizam uma melhora na função do enxerto a longo prazo e
redução de efeitos adversos como hipertensão, dislipidemia e toxicidade das
drogas7.
Além disso, o
papel da imunidade humoral na rejeição ao enxerto, apesar de controverso, tem
recebido maior ênfase e estudo. Sabe-se atualmente que podem ser produzidos
anticorpos contra o enxerto renal em qualquer fase pós-transplante e estes
podem ser direcionados a antígenos HLA ou não8. Estudos têm
demonstrado que esta resposta humoral é insensível a CsA e a azatioprina porém, o MMF mostrou bloquear esta produção de
anticorpos9. Portanto, novas terapias têm levado em conta também o
bloqueio à resposta humoral como nova estratégia imunossupressora.
A seguir, relacionamos
futuros agentes imunossupressores classificando-os entre farmacológicos e
biológicos.
Agentes farmacológicos
Everolimo
Outros nomes: SDZ RAD,
RAD001
Nome
comercial: Certican® (Novartis)
Apresentação:
cp 0,5 ou 0,75mg
É um análogo
sintético do sirolimo produzido pela alquilação na posição 40 deste,
tornando-se mais hidrossolúvel, mais biodisponível e com meia-vida menor.
Ação: semelhante
ao sirolimo, liga-se à imunofilina FKBP12, formando um complexo biologicamente
ativo que inibe a atividade enzimática da mTOR (mammalian target of rapamicin).
Esta enzima controla a atividade enzimática de diversas proteínas envolvidas na
transdução de sinais de ativação e proliferação derivados de receptores de
membrana de linfócitos, principalmente de Il-2 e dos receptores de
co-estimulação linfocitário CD-28, inibindo, por fim , a proliferação celular.
Além disso, o everolimo inibe o ciclo celular na fase G1 para S em diversas
linhagens celulares, incluindo linfócitos e células musculares lisas. Tem
efeito imunossupressor e toxicológico semelhante ao sirolimo porém, com
melhores características farmacocinéticas de solubilidade e estabilidade.
Administrado 2 vezes ao dia, tem pico de absorção médio de 2 horas. Possui
variabilidade interindividual menor comparado ao sirolimo o que pode reduzir a
necessidade de monitoramento terapêutico sanguíneo10. A concentração
sanguínea residual terapêutica é de 3 a 8ng/ml em indivíduos que recebem CsA.
Acima de 9ng/ml pode causar efeitos colaterais mais freqüentemente, como
plaquetopenia. A administração conjunta
com a CsA geralmente aumenta seus níveis sanguíneos e a interrupção desta pode
reduzir seus níveis em até 3 vezes. Recomendado por permitir uso de menor dose
de CNI e por proteger contra infecção por citomegalovírus. Stents embebidos de everolimo também são usados em revascularização
coronariana pela sua ação anti-proliferativa.
Dose recomendada: 0,75 a 1,5 mg 2 vezes ao
dia.
Efeitos
colaterais: dislipidemia, leucopenia, trompocitopenia.
FTY720
Fonte:
Novartis
Dose em
estudo: 0,25 a 2,5mg
Sintetizado a
partir de um produto de fermentação do fungo ascomiceto Isaria sinclairii , a miriocina (ISP-1), cujo tratamento químico
resultou em uma droga menos tóxica e com alto poder imunossupressor, o FTY720.
Ação:
evidências sugerem que o FTY720 seja fosforilado por uma quinase gerando seu
princípio ativo, uma esfingosina. Esta tem capacidade de modular o tráfego dos
linfócitos da corrente sanguínea e do baço para dentro dos linfonodos e das
placas de Peyer, independente da ação de quimiocinas e de selectinas, sendo
reversível após descontinuação da droga. Esta migração dos linfócitos ativados
dentro dos órgãos linfóides causa uma linfopenia e diminuição de sua quantidade
dentro do enxerto renal. Outros dados recentes também demonstram que o FTY720
previne a emigração de timócitos maduros para a corrente sanguínea. A
linfopenia sérica é observada logo no primeiro dia de administração da droga e
retorna aos níveis normais em até 8 semanas após interrupção da droga. Indicado
como alternativa para protocolos de redução dos CNI11.
Não interage
com CsA, tacrolimo ou sirolimo/everolimo. O FTY720 não interfere com ativação
ou proliferação de linfócitos T e B, nem com a geração de linfócitos de memória,
podendo ser usado em sinergismo com os CNI e sirolimo/everolimo.
Efeitos
colaterais: redução leve, transitória e limitada da freqüência cardíaca.
FK778
Fonte:
Fujisawa Healthcare Inc.
O FK778 é uma
malononitrilamida (MNA) sintética análoga do metabólito A77 1726 da leflunomida
(Arava®,Aventis) droga antiproliferativa usada no tratamento de
artrite reumatóide porém sem uso apropriado para receptores de órgãos por
apresentar meia-vida muito longa.
Ação:
Possui atividade tanto antiproliferativa quanto imunossupressora. A MNA inibe a
proliferação dos linfócitos T e B ativados através do bloqueio da síntese de novo das pirimidinas, mantendo estes
linfócitos na fase G1 do ciclo celular. Além disso, inibe também
tirosino-quinases de ativação dependente de Il-2.
O FK 778
impediu rejeição aguda em modelos de transplante em roedores, cachorros e
primatas e atenuou rejeição crônica em transplante renal em ratos. Seus efeitos
antiproliferativos também foram observados em modelos de lesão endotelial não
imunológica via bloqueio de tirosino-quinase, impedindo o remodelamento
vascular12. Outra interessante atividade da MNA é a abilidade de bloquear
a replicação de membros da família Herpes vírus e ter ação contra citomegalovírus
e polioma vírus, in vitro.
Usado em dose
alta em transplante cardíaco em rato, o FK 778 rediziu a expressão de
P-selectina, ICAM-1 e VCAM-1, abolindo a infiltração linfocitária e a rejeição histológica, prolongando dessa
forma a sobrevida cardíaca13.
Efeitos
colaterais: anemia e angina.
ISATX247
Fonte: Isotechnika-Roche.
O ISATX247 é um novo CNI e
consiste em uma ciclosporina modificada. Tem mostrado ação promissora em
transplante de órgãos e tratamento de doenças autoimunes em estudos
pré-clínicos por apresentar melhor razão entre eficácia e toxicidade. É
descrita ação imunossupressora in vitro e in vivo em transplante cardíaco
heterotópico em ratos14 .
ISATX247 foi sigificativamente
mais potente que a CsA mas não tão potente por mol quanto FK. Conclusões sobre
sua eficácia relativa e toxicidade em humanos não podem ainda serem feitas pois
a nefrotoxicidade dos CNI nunca foram muito bem previstas em modelos animais7.
Agentes biológicos
Anti-CD20
Outros nomes: rituximab
Nome comercial: Rituxan®
(Genentech) , Mabthera® (Roche)
É um anticorpo monoclonal
quimérico que tem sido proposto para tratamento de doenças linfoproliferativas
após transplante e tem sido freqüentemente usado contra linfoma não-Hodkgin.
Ele depleta especificamente linfócitos B, eficazes células apresentadoras de
antígeno, através do antígeno CD20 expresso em sua superfície15.
Mostrou ser eficaz no tratamento de pacientes com rejeição aguda mediada por anticorpos
ou resistente à corticoterapia em transplantes renal e cardíaco. Além disso,
atua também na eliminação de anticorpos específicos do doador no
pós-transplante o que parece ter um papel importante na rejeição crônica.
Anti-CD52
Outros nomes: alemtuzumab,
campath-1H
Nome comercial: Campath®
(Berlex)
Campath-1H é um anticorpo
monoclonal humanizado, potente causador de linfopenia por lisar linfócitos B e
T em sangue periférico, e tem sido usado comumente contra doenças
linfoproliferativas e artrite reumatóide. A linfopenia causada pelo campath-1H
geralmente demanda 6 a 12 meses para resolução.
É usado em estudos clínicos em
transplante de rim, fígado e pâncreas em protocolos de redução de CNI ou
eliminação de corticoterapia. Ciancio G e cols. mostraram sobrevida do paciente
e do enxerto de 100% em transplante renal cadavérico e haploidêntico usando
campath-1H nos dias 0 e 4
pós-transplante precedidos de bolus
de metilprednisolona, e uso de MMF e tacrolimus, sem corticoterapia de
manutenção16 .
Anti-CTLA4
Outros nomes:
CTLA4-Ig, LEA29Y, belatacept
Fonte:
Bristol-Myers-Squibb
CTLA4-Ig é um
anticorpo quimérico usado em doenças autoimunes, asma, infecções e rejeição a
enxertos. Seu alvo consiste em bloquear a co-estimulação de linfócitos T
através da inibição da ligação das moléculas B7.1/2 com o seu ligante CTLA4
(CD152). O bloqueio desta ligação está associado a anergia, apoptose e indução de
tolerância em modelos experimentais de doenças autoimunes e transplante.
CTLA4-Ig tem
mostrado eficácia na imunossupressão em transplante de medula óssea
haploidêntico17 e tem sido usado junto a anti-CD40L em transplante
renal em macacos rhesus, com efeito sinérgico antiproliferativo de linfócitos T
e contra rejeição celular aguda.
LEA29Y faz
parte da segunda geração de CTLA4-Ig reestruturada para ter maior afinidade e
eficácia, sendo usada em protocolos de eliminação de CNI18.
Esta classe de
anticorpos parece ser a primeira a ser indicada para uso a longo termo em
transplantes.
Anti-CD40L
Outros nomes:
anti-CD154
Fonte:
Biogen
O CD40L é uma
molécula de superfície de células apresentadoras de antígeno e faz parte da
família do fator de necrose tumoral (TNF), relacionando-se com a importante
ação de iniciar a conversão dos títulos de IgM em IgG. A ligação de CD154 ao
CD40 das células apresentadoras de antígeno promove sinal co-estimulatório
necessário para o desenvolvimento de resposta celular e humoral19 .
O anti-CD40L
prolonga a sobrevida do enxerto renal em modelos murinos e primatas, porém seu
uso concomitante com CsA e FK pode interferir com suas funções20.
Além disso, está associado com alta prevalência de fenômenos tromboembólicos e
menor eficácia em humanos comparada aos primatas.
Anti-TNFα
Outros nomes: infliximab,
adalimumab
Nome comercial: Remicade®
(Centocor), Humira® (Abbott)
Usado no
tratamento de artrite reumatóide e doença de Crohn, o infliximab é um anticorpo
monoclonal quimérico de camundongo anti-humano direcionado contra o TNFα. Já o
adalimimab é um anticorpo monoclonal humano produzido através de alta
tecnologia e que possui altíssima afinidade e imunogenicidade praticamente
ausente19. Ambos bloqueiam a ação do TNFα que é relacionado à
resposta inflamatória: produção de IL-1 e IL-6, aumento da expressão de moléculas
de adesão por células endoteliais e leucócitos e indução de proteínas de fase
aguda, entre outras. Utilizado em dose única imediatamente pré-infusão de
preparo de células de ilhota pancreática não tem mostrado melhora na sobrevida do
enxerto pancreático.
Anti-CD11a
Outros nomes:
efalizumab
Nome comercial:
Raptiva® (Genentech)
O anti-CD11a é um anticorpo
humanizado monoclonal contra CD11a, uma molécula que faz parte da integrina LFA-1
(leukocyte function-associated antigen-1) presente na superfície de leucócitos.
Esta liga-se a ICAM-1 presente em células endoteliais promovendo ativação e
diapedese de leucócitos. Usado comumente em psoríase, o anti-CD11a vem sendo
estudado com boas perspectivas em transplante renal em primatas. Também tem
sido comparado com o anticorpo policlonal de coelho ATG na terapia de indução
no transplante renal em um estudo multicêntrico. Não houve diferença na
incidência de rejeição aguda em 3 meses e a sobrevida em 1 ano do enxerto foi 96%
comparada a 92% do ATG7 .
Outros anticorpos
Anti-JAK3
A Janus kinase 3 (JAK3) é uma
proteína abundantemente expressa em células de leucemia linfoblástica aguda em
crianças, sinaliza apoptose, media reação de hipersensibilidade imediata de
mastócitos e tem ação em plaquetas e doenças autoimunes. É uma quinase acoplada
ao receptor gama da IL-2 e media também outras citocinas, como IL-4, IL-7, IL-9
e IL-15. Estudos pré-clínicos com anti-JAK3 revelam propriedades imunossupressoras
em transplante de ilhotas pancreáticas e órgãos sólidos21 .
Anti-CD45RB
A molécula de CD45 faz parte de
uma família de fosfatase transmembrana e encontra-se em toda linhagem de
células hematopoiéticas tronco e maduras, com exceção de plaquetas e
eritrócitos22 .O anti-CD45RB parece induzir tolerância específica em
modelos animais de transplante de rim e de ilhotas pancreáticas, porém seu
mecanismo de ação ainda é desconhecido. Enquanto a CsA quebra a tolerância
induzida pelo anti-CD45RB, a rapamicina aumenta sua eficácia19 .
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