Rotina
pré-operatória em cirurgias não cardiopulmonares ou vasculares maiores
Introdução
O termo “Rotina pré-operatória”,
neste documento, se refere a testes solicitados para indivíduos assintomáticos,
na ausência de uma indicação clínica específica, a fim de se identificar
condições não detectadas pela história clínica e exame físico. De acordo com
esta definição, se um paciente é, sabidamente, portador de alguma condição
clínica específica sugerindo que um teste possa ser útil (ex.: coronariopatia),
então tal teste é considerado “indicado”, ao invés de “rotina”.
A rotina de se solicitar uma
variedade de testes pré-operatórios, indicados por características clínicas do
paciente ou não, tem sido parte da prática clínica por muitos anos. Os
objetivos destes testes podem incluir a identificação de condições, não
suspeitadas, que podem requerer tratamento pré-operatório ou mudança na conduta
anestésica ou cirúrgica peri-operatória; a predição de complicações
pós-operatórias e o estabelecimento de uma aferição na “linha de base” para
futura referência.
Objetivos
Avaliar a evidência disponível
sobre o valor de testes de rotina pré-operatória em pacientes com indicação de
cirurgia não cardiopulmonar ou aórtica.
Métodos
Utilizando a metodologia
preconizada pela Colaboração Cochrane para pesquisa em bases de dados e
avaliação crítica da literatura, foram realizadas extensas buscas nas
principais bases de dados eletrônicas. Foram priorizados estudos com desenho
metodológico mais adequado, revisões sistemáticas da literatura e diretrizes
clínicas baseadas em evidências que avaliassem intervenções diagnósticas e/ou
preditivas de complicações para pacientes com indicação cirúrgica.
Dois pesquisadores revisaram os
resumos de artigos para identificar aqueles potencialmente relevantes e
determinar se deveriam ser incluídos. No caso de discordância entre os
pesquisadores, um terceiro pesquisador era consultado.
Os artigos foram obtidos na
íntegra sempre que necessário e submetidos à avaliação crítica de metodologia,
desfechos clínicos avaliados e tempo de seguimento, para então, serem
incluídos.
No caso das diretrizes clínicas
encontradas, a metodologia deveria ser explícita, com graduação de nível de
evidência e grau de recomendação. As atualizações mais recentes foram priorizadas.
Bases de dados pesquisadas
● Pubmed/MEDLINE
● National Guidelines Clearinghouse
● DARE database
● National Institute for Health and Clinical
Excellence (NICE)
● Cochrane Central Register of Controlled
Clinical Trials (CENTRAL)
● LILACS
● HTA International
● Associação Médica Brasileira –
Projeto Diretrizes (AMB)
Níveis de Evidência e Graus de
recomendação
As tabelas abaixo mostram os
níveis de evidência utilizados para graduar as evidências encontradas nesta
diretriz, conforme o tipo de pergunta (intervenção, etiologia, prognóstico ou
diagnóstico):
Nível de evidência
|
Tipo de estudo encontrado
para avaliação de intervenção ou etiologia
|
1
|
Revisão sistemática de estudos
randomizados; ou estudo randomizado de grande amostra.
|
2
|
Revisão sistemática de estudos
não randomizados; ou estudo randomizado de pequena amostra.
|
3
|
Estudo coorte não randomizado.
|
4
|
Estudo retrospectivo.
|
5
|
Opinião de especialistas,
artigo de revisão não sistemática, consenso.
|
Nível de evidência
|
Tipo de estudo encontrado
para avaliação de fator prognóstico
|
1
|
Revisão sistemática de estudos
coortes; ou estudo coorte individual com ≥ 80% de seguimento; ou Clinical
Decision Rule validado.
|
2
|
Estudo coorte retrospectivo ou
seguimento de grupo controle de estudo randomizado
|
3
|
Coortes de baixa qualidade
|
4
|
Série de casos
|
5
|
Opinião de especialistas,
artigo de revisão não sistemática, consenso.
|
Nível de evidência
|
Tipo de estudo encontrado
para avaliação método diagnóstico
|
1
|
Revisão sistemática de estudos
diagnósticos com padrão ouro; ou estudo coorte individual com padrão ouro; ou
Clinical Decision Rule multicêntrico.
|
2
|
Estudo coorte exploratório com
bom comparador
|
3
|
Estudo não consecutivo ou sem
comparador adequado
|
4
|
Estudo caso-controle
|
5
|
Opinião de especialistas,
artigo de revisão não sistemática, consenso.
|
A tabela abaixo mostra os graus
de recomendações que foram utilizadas, com base na literatura pesquisada.
Grau
|
Recomendação
|
A
|
Existem evidências de boa
qualidade de que a intervenção melhora desfechos clínicos relevantes e de que
os benefícios substancialmente superam os riscos.
|
B
|
Existem evidências adequadas de
que a intervenção melhora desfechos clínicos relevantes e de que os
benefícios superam os riscos.
|
C
|
Existem evidências adequadas de
que a intervenção pode melhorar desfechos clínicos, mas o balanço entre
benefícios e os riscos é pequeno para justificar o uso geral desta
intervenção.
|
D
|
Existem evidências adequadas de
que a intervenção é ineficaz ou de que os riscos superam os benefícios.
|
I
|
Não existem evidências
suficientes ou de qualidade para recomendar contra ou a favor da intervenção,
e o balanço entre benefício e risco não pode ser determinado.
|
As recomendações emitidas estão
assinaladas com a seguinte marcação: (NE 1, GR A), quando o nível de evidência
da informação é 1 e o grau da recomendação é A
Principais fontes de
informação selecionadas e avaliadas para elaboração desta diretriz:
- 04 Revisões Sistemáticas da literatura (1-4)
- 01 Estudo de Coortes retrospectivos (5)
- 01 Estudo econômico (6)
- 05 Diretrizes clínicas (1, 2, 7-9)
Análise
das evidências
Raio-X Tórax
Uma revisão sistemática da
literatura encontrou oito estudos (incluindo 5104 exames de Raio-X Tórax)
avaliando o uso deste exame como rotina pré-operatória em cirurgias
não-cardiopulmonares. A prevalência de “anormalidades significativas” foi de
17,2%, enquanto em apenas 0,5% dos casos (0% a 2,1%) a conduta anestésica /
cirúrgica foi alterada pelo reultado do Raio-X Tórax. Três estudos incluídos
avaliaram se o emprego de Raio-X Tórax melhoraria a predição de complicações
peri ou pós-operatórias e concluíram que, em relação à avaliação clínica
isolada, o uso deste exame não altera o valor preditivo para tais complicações
(NE 4) (4).
Outra revisão sistemática da
literatura avaliou o emprego de Raio-X Tórax pré-operatório em pacientes com e
sem fatores de risco, como DPOC. O risco de complicações pulmonares
pós-operatórias foram semelhantes em pacientes submetidos ou não a este exame
(NE 3b) (3).
Uma revisão sistemática da
literatura com diretriz clínica sugere, baseada em consenso de especialistas,
que o Raio-X Tórax pré-operatório seja empregado de acordo com a idade do
paciente (preferencialmente acima de 60 anos) associada ao score ASA
(preferencialmente se ASA ≥ 3, correspondendo à presença de doença sistêmica
severa) e à extensão do procedimento cirúrgico proposto (como artroplastias,
amputações, cirurgias gástricas e colo-retais) (NE 5) (1).
Uma diretriz do American
College of Physicians recomenda que não se deve empregar Raio-X Tórax ou
Espirometria como rotina pré-operatória, e que tais exames podem ser
apropriados em pacientes com diagnóstico de DPOC (NE 5) (9).
Uma diretriz do American
College of Radiology considera “apropriado” o emprego de Raio-X Tórax,
pré-operatório, em pacientes com alterações cardiopulmonares agudas ao exame
físico e história clínica, e em pacientes portadores de doença cardiopulmonar
crônica cujo último Raio-X Tórax disponível foi realizado há mais de seis meses
(NE 5) (7).
Eletrocardiograma
Uma revisão sistemática da
literatura encontrou oito estudos (incluindo 4321 exames de ECG) avaliando o
uso deste exame como rotina pré-operatória em cirurgias não cardio-torácicas. A
prevalência de “anormalidades significativas” foi de 4,6% (2,9% a 6,4%) e em
apenas 0,6% dos casos (0% a 2,2%) a conduta anestésica / cirúrgica foi alterada
pelo resultado do ECG (NE 4) (4).
Um estudo avaliando 2967
pacientes com programação de cirurgia não-cardíaca (idade mediana de 64,9 anos
e 53,8% destes com indicação de cirurgias “de alto risco”, como cirurgias
intra-torácicas, intra-abdominais e cirurgias vasculares maiores) avaliou a
habilidade de o ECG pré-operatório melhorar a predição de mortalidade ou
Infarto Agudo do Miocárdio, no período pós-operatório, em relação ao poder
preditivo das características clínicas (avaliados o procedimento cirúgico
proposto, idade, antecedentes de cardiopatia isquêmica, insuficiência
cardíaca, insuficiência renal crônica, acidente cerebrovascular, diabetes
mellitus insulino-dependente) isoladamente. Dentre as características
eletrocardiográficas, apenas a presença ou ausência de bloqueio de ramo foi
útil para discriminar pacientes que evoluíram com ou sem os desfechos estudados
(morte ou IAM no pós-operatório) enquanto que, dentre as características
clínicas avaliadas, apenas a presença – ou ausência – de antecedente de
cardiopatia isquêmica e a extensão da cirurgia (cirurgias de “alto risco”)
tiveram esta capacidade discriminatória. A avaliação eletrocardiográfica
mostrou mesma habilidade, em relação à avaliação clínica, em discriminar
pacientes que evoluíram com ou sem os desfechos estudados; e a avaliação
conjunta deste exame e das características clínicas não se mostrou melhor
preditora do risco de eventos em relação à avaliação isolada de cada um destes
(NE 2b) (5).
Uma revisão sistemática da
literatura com diretriz clínica sugere, baseada em consenso de especialistas,
que o ECG pré-operatório seja empregado de acordo com a idade do paciente (preferencialmente
acima de 60 anos) associada ao score ASA (preferencialmente se ASA ≥ 3,
correspondendo à presença de doença sistêmica severa) e à extensão do
procedimento cirúrgico proposto (como artroplastias, amputações, cirurgias
gástricas e colo-retais) (NE 5) (1).
Uma diretriz clínica do American
College of Cradiology / American Heart Association recomenda que o emprego
de testes de avaliação cardiovascular (entre eles, o ECG), em pacientes com
proposta de cirurgia não cardíaca, seja restrito a pacientes portadores de
condições cardíacas ativas (Síndromes coronarianas instáveis, ICC classe
funcional IV, arritmias significativas, como BAV alto grau, fibrilação atrial
com freqüência cardíaca > 100 bpm, bradicardia sintomática, taquicardia
ventricular ou doença valvar severa) ou em pacientes com baixa capacidade
funcional (<4 MET, correspondente à incapacidade de realização de trabalhos
leves como lavar pratos) associado a ≥ três das seguines condições: Cardiopatia
isquêmica, Diabetes Mellitus, HAS, ICC compensada, doença cerebrovascular e
insuficiência renal (NE 5) (8).
Testes sanguíneos
Uma revisão sistemática da
literatura encontrou 10 estudos avaliando o uso de hemograma, 10 estudos
avaliando o uso de testes de hemostasia e cinco estudos avaliando o uso de
testes bioquímicos como testes de rotina pré-operatória. A prevalência de
anormalidades significativas, nestes testes, foi 1,8% (hemograma), 0%
(hemostasia) e 0% a 0,6% (bioquímica), enquanto que a conduta anestésica /
cirúrgica foi alterada, devido a tais anormalidades, em 0,1% dos casos
(anormalidades em testes bioquímicos) e em nenhum caso por anormalidades ao
hemograma e aos exames de hemostasia (NE 4) (4).
Uma revisão sistemática da
literatura mostrou que o emprego de testes de coagulação, durante a avaliação
pré-operatória, tem Valor preditivo positivo igual a 0,03 a 0,22, com razão de
probabilidade positiva de 0,94 a 5,1, concluindo que o uso de tais exames é mau
preditor de sangramento peri ou pós-operatório e não melhora tal predição em
relação à avaliação da história clínica isoladamente (ex.: antecedente pessoal
e familiar de sangramentos, uso de anticoagulantes) (NE 4). Assim, o Comitê
Britânico para Padronização em Hematologia não recomenda o emprego de testes de
coagulação na rotina pré-operatória (2).
Uma revisão sistemática da
literatura com diretriz clínica sugere, baseada em consenso de especialistas,
que testes sanguíneos pré-operatório sejam empregados de acordo com a idade do
paciente (preferencialmente acima de 60 anos) associada ao score ASA
(preferencialmente se ASA ≥ 3, correspondendo à presença de doença sistêmica
severa) e à extensão do procedimento cirúrgico proposto (como artroplastias,
amputações, cirurgias gástricas e colo-retais) (NE 5) (1).
Recomendações
Não recomendamos o emprego de
testes pré-operatórios de rotina (Raio-X tórax, ECG, testes sanguíneos) em
pacientes com proposta de cirurgia não cardio-pulmonar ou cirurgia aórtica (a
evidência científica disponível mostra que o uso de tais testes não melhora a
acurácia de predição de risco peri ou pós-operatório em relação à avaliação
clínica isoladamente) (NE 4, GR D).
Referências
bibliográficas
[1]
National Collaborating Centre for Acute Care. Preoperative tests: the use of
routine preoperative tests for elective surgery: evidence, methods &
guidance. London (UK): National Institute for Clinical Excellence (NICE); 2003
Jun. 108 p. [118 references].
[2] Chee
YL, Crawford JC, Watson HG, Greaves M. Guidelines on the assessment of bleeding
risk prior to surgery or invasive procedures. British Committee for Standards
in Haematology. Br J Haematol. 2008 Mar;140(5):496-504.
[3] Joo HS,
Wong J, Naik VN, Savoldelli GL. The value of screening preoperative chest
x-rays: a systematic review. Can J Anaesth. 2005 Jun-Jul;52(6):568-74.
[4] Munro
J, Booth A, Nicholl J. Routine preoperative testing: a systematic review of the
evidence. Health Technol Assess. 1997;1(12):i-iv; 1-62.
[5] van
Klei WA, Bryson GL, Yang H, Kalkman CJ, Wells GA, Beattie WS. The value of
routine preoperative electrocardiography in predicting myocardial infarction
after noncardiac surgery. Ann Surg. 2007 Aug;246(2):165-70.
[6]
Barazzoni F, Grilli R, Amicosante AM, Brescianini S, Marca MA, Baggi M, et al. Impact of end user involvement in
implementing guidelines on routine pre-operative tests. Int J Qual
Health Care. 2002 Aug;14(4):321-7.
[7] McLoud
TC, Davis SD, Aquino SD, Batra PV, Goodman PC, Haramati LB, Khan A, Leung AN,
Rosado de Chritenson ML, Rozenshtein A, White CS, Kaiser LR, Raoof S, Expert
Panel on Thoracic Imaging. Routine admission and preoperative chest
radiography. [online publication]. Reston (VA): American College of Radiology
(ACR); 2006. 5 p. [39 references].
[8]
Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA, Calkins H, Chaikof E, Fleischmann KE, et al.
ACC/AHA 2007 guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for
noncardiac surgery: a report of the American College of Cardiology/American
Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to
Revise the 2002 Guidelines on Perioperative Cardiovascular Evaluation for
Noncardiac Surgery) developed in collaboration with the American Society of
Echocardiography, American Society of Nuclear Cardiology, Heart Rhythm Society,
Society of Cardiovascular Anesthesiologists, Society for Cardiovascular
Angiography and Interventions, Society for Vascular Medicine and Biology, and
Society for Vascular Surgery. J Am Coll Cardiol. 2007 Oct 23;50(17):e159-241.
[9] Qaseem
A, Snow V, Fitterman N, Hornbake ER, Lawrence VA, Smetana GW, et al. Risk
assessment for and strategies to reduce perioperative pulmonary complications
for patients undergoing noncardiothoracic surgery: a guideline from the
American College of Physicians. Ann Intern Med. 2006 Apr
18;144(8):575-80.
Nenhum comentário:
Postar um comentário