quinta-feira, 20 de setembro de 2012


Rotina pré-operatória em cirurgias não cardiopulmonares ou vasculares maiores

 

 

Introdução

O termo “Rotina pré-operatória”, neste documento, se refere a testes solicitados para indivíduos assintomáticos, na ausência de uma indicação clínica específica, a fim de se identificar condições não detectadas pela história clínica e exame físico. De acordo com esta definição, se um paciente é, sabidamente, portador de alguma condição clínica específica sugerindo que um teste possa ser útil (ex.: coronariopatia), então tal teste é considerado “indicado”, ao invés de “rotina”.

A rotina de se solicitar uma variedade de testes pré-operatórios, indicados por características clínicas do paciente ou não, tem sido parte da prática clínica por muitos anos. Os objetivos destes testes podem incluir a identificação de condições, não suspeitadas, que podem requerer tratamento pré-operatório ou mudança na conduta anestésica ou cirúrgica peri-operatória; a predição de complicações pós-operatórias e o estabelecimento de uma aferição na “linha de base” para futura referência.

 

Objetivos

Avaliar a evidência disponível sobre o valor de testes de rotina pré-operatória em pacientes com indicação de cirurgia não cardiopulmonar ou aórtica.

 

Métodos

Utilizando a metodologia preconizada pela Colaboração Cochrane para pesquisa em bases de dados e avaliação crítica da literatura, foram realizadas extensas buscas nas principais bases de dados eletrônicas. Foram priorizados estudos com desenho metodológico mais adequado, revisões sistemáticas da literatura e diretrizes clínicas baseadas em evidências que avaliassem intervenções diagnósticas e/ou preditivas de complicações para pacientes com indicação cirúrgica.

Dois pesquisadores revisaram os resumos de artigos para identificar aqueles potencialmente relevantes e determinar se deveriam ser incluídos. No caso de discordância entre os pesquisadores, um terceiro pesquisador era consultado.

Os artigos foram obtidos na íntegra sempre que necessário e submetidos à avaliação crítica de metodologia, desfechos clínicos avaliados e tempo de seguimento, para então, serem incluídos.

No caso das diretrizes clínicas encontradas, a metodologia deveria ser explícita, com graduação de nível de evidência e grau de recomendação. As atualizações mais recentes foram priorizadas.

 

Bases de dados pesquisadas

● Pubmed/MEDLINE

● National Guidelines Clearinghouse

● DARE database

● National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE)

● Cochrane Central Register of Controlled Clinical Trials (CENTRAL)

● LILACS

● HTA International

● Associação Médica Brasileira – Projeto Diretrizes (AMB)

 

Níveis de Evidência e Graus de recomendação

As tabelas abaixo mostram os níveis de evidência utilizados para graduar as evidências encontradas nesta diretriz, conforme o tipo de pergunta (intervenção, etiologia, prognóstico ou diagnóstico):

 

Nível de evidência
Tipo de estudo encontrado para avaliação de intervenção ou etiologia
1
Revisão sistemática de estudos randomizados; ou estudo randomizado de grande amostra.
2
Revisão sistemática de estudos não randomizados; ou estudo randomizado de pequena amostra.
3
Estudo coorte não randomizado.
4
Estudo retrospectivo.
5
Opinião de especialistas, artigo de revisão não sistemática, consenso.

 

 

Nível de evidência
Tipo de estudo encontrado para avaliação de fator prognóstico
1
Revisão sistemática de estudos coortes; ou estudo coorte individual com ≥ 80% de seguimento; ou Clinical Decision Rule validado.
2
Estudo coorte retrospectivo ou seguimento de grupo controle de estudo randomizado
3
Coortes de baixa qualidade
4
Série de casos
5
Opinião de especialistas, artigo de revisão não sistemática, consenso.

 

 

Nível de evidência
Tipo de estudo encontrado para avaliação método diagnóstico
1
Revisão sistemática de estudos diagnósticos com padrão ouro; ou estudo coorte individual com padrão ouro; ou Clinical Decision Rule multicêntrico.
2
Estudo coorte exploratório com bom comparador
3
Estudo não consecutivo ou sem comparador adequado
4
Estudo caso-controle
5
Opinião de especialistas, artigo de revisão não sistemática, consenso.

 

 

A tabela abaixo mostra os graus de recomendações que foram utilizadas, com base na literatura pesquisada.

 

Grau
Recomendação
A
Existem evidências de boa qualidade de que a intervenção melhora desfechos clínicos relevantes e de que os benefícios substancialmente superam os riscos.
B
Existem evidências adequadas de que a intervenção melhora desfechos clínicos relevantes e de que os benefícios superam os riscos.
C
Existem evidências adequadas de que a intervenção pode melhorar desfechos clínicos, mas o balanço entre benefícios e os riscos é pequeno para justificar o uso geral desta intervenção.
D
Existem evidências adequadas de que a intervenção é ineficaz ou de que os riscos superam os benefícios.
I
Não existem evidências suficientes ou de qualidade para recomendar contra ou a favor da intervenção, e o balanço entre benefício e risco não pode ser determinado.

 

As recomendações emitidas estão assinaladas com a seguinte marcação: (NE 1, GR A), quando o nível de evidência da informação é 1 e o grau da recomendação é A

 

Principais fontes de informação selecionadas e avaliadas para elaboração desta diretriz:

  • 04 Revisões Sistemáticas da literatura (1-4)
  • 01 Estudo de Coortes retrospectivos (5)
  • 01 Estudo econômico (6)
  • 05 Diretrizes clínicas (1, 2, 7-9)

 

Análise das evidências

Raio-X Tórax

Uma revisão sistemática da literatura encontrou oito estudos (incluindo 5104 exames de Raio-X Tórax) avaliando o uso deste exame como rotina pré-operatória em cirurgias não-cardiopulmonares. A prevalência de “anormalidades significativas” foi de 17,2%, enquanto em apenas 0,5% dos casos (0% a 2,1%) a conduta anestésica / cirúrgica foi alterada pelo reultado do Raio-X Tórax. Três estudos incluídos avaliaram se o emprego de Raio-X Tórax melhoraria a predição de complicações peri ou pós-operatórias e concluíram que, em relação à avaliação clínica isolada, o uso deste exame não altera o valor preditivo para tais complicações (NE 4) (4).

Outra revisão sistemática da literatura avaliou o emprego de Raio-X Tórax pré-operatório em pacientes com e sem fatores de risco, como DPOC. O risco de complicações pulmonares pós-operatórias foram semelhantes em pacientes submetidos ou não a este exame (NE 3b) (3).

Uma revisão sistemática da literatura com diretriz clínica sugere, baseada em consenso de especialistas, que o Raio-X Tórax pré-operatório seja empregado de acordo com a idade do paciente (preferencialmente acima de 60 anos) associada ao score ASA (preferencialmente se ASA ≥ 3, correspondendo à presença de doença sistêmica severa) e à extensão do procedimento cirúrgico proposto (como artroplastias, amputações, cirurgias gástricas e colo-retais) (NE 5) (1).

Uma diretriz do American College of Physicians recomenda que não se deve empregar Raio-X Tórax ou Espirometria como rotina pré-operatória, e que tais exames podem ser apropriados em pacientes com diagnóstico de DPOC (NE 5) (9).

Uma diretriz do American College of Radiology considera “apropriado” o emprego de Raio-X Tórax, pré-operatório, em pacientes com alterações cardiopulmonares agudas ao exame físico e história clínica, e em pacientes portadores de doença cardiopulmonar crônica cujo último Raio-X Tórax disponível foi realizado há mais de seis meses (NE 5) (7).

 

Eletrocardiograma

Uma revisão sistemática da literatura encontrou oito estudos (incluindo 4321 exames de ECG) avaliando o uso deste exame como rotina pré-operatória em cirurgias não cardio-torácicas. A prevalência de “anormalidades significativas” foi de 4,6% (2,9% a 6,4%) e em apenas 0,6% dos casos (0% a 2,2%) a conduta anestésica / cirúrgica foi alterada pelo resultado do ECG (NE 4) (4).

Um estudo avaliando 2967 pacientes com programação de cirurgia não-cardíaca (idade mediana de 64,9 anos e 53,8% destes com indicação de cirurgias “de alto risco”, como cirurgias intra-torácicas, intra-abdominais e cirurgias vasculares maiores) avaliou a habilidade de o ECG pré-operatório melhorar a predição de mortalidade ou Infarto Agudo do Miocárdio, no período pós-operatório, em relação ao poder preditivo das características clínicas (avaliados o procedimento cirúgico proposto,  idade, antecedentes de cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, insuficiência renal crônica, acidente cerebrovascular, diabetes mellitus insulino-dependente) isoladamente. Dentre as características eletrocardiográficas, apenas a presença ou ausência de bloqueio de ramo foi útil para discriminar pacientes que evoluíram com ou sem os desfechos estudados (morte ou IAM no pós-operatório) enquanto que, dentre as características clínicas avaliadas, apenas a presença – ou ausência – de antecedente de cardiopatia isquêmica e a extensão da cirurgia (cirurgias de “alto risco”) tiveram esta capacidade discriminatória. A avaliação eletrocardiográfica mostrou mesma habilidade, em relação à avaliação clínica, em discriminar pacientes que evoluíram com ou sem os desfechos estudados; e a avaliação conjunta deste exame e das características clínicas não se mostrou melhor preditora do risco de eventos em relação à avaliação isolada de cada um destes (NE 2b) (5).

Uma revisão sistemática da literatura com diretriz clínica sugere, baseada em consenso de especialistas, que o ECG pré-operatório seja empregado de acordo com a idade do paciente (preferencialmente acima de 60 anos) associada ao score ASA (preferencialmente se ASA ≥ 3, correspondendo à presença de doença sistêmica severa) e à extensão do procedimento cirúrgico proposto (como artroplastias, amputações, cirurgias gástricas e colo-retais) (NE 5) (1).

Uma diretriz clínica do American College of Cradiology / American Heart Association recomenda que o emprego de testes de avaliação cardiovascular (entre eles, o ECG), em pacientes com proposta de cirurgia não cardíaca, seja restrito a pacientes portadores de condições cardíacas ativas (Síndromes coronarianas instáveis, ICC classe funcional IV, arritmias significativas, como BAV alto grau, fibrilação atrial com freqüência cardíaca > 100 bpm, bradicardia sintomática, taquicardia ventricular ou doença valvar severa) ou em pacientes com baixa capacidade funcional (<4 MET, correspondente à incapacidade de realização de trabalhos leves como lavar pratos) associado a ≥ três das seguines condições: Cardiopatia isquêmica, Diabetes Mellitus, HAS, ICC compensada, doença cerebrovascular e insuficiência renal (NE 5) (8).

 

Testes sanguíneos

Uma revisão sistemática da literatura encontrou 10 estudos avaliando o uso de hemograma, 10 estudos avaliando o uso de testes de hemostasia e cinco estudos avaliando o uso de testes bioquímicos como testes de rotina pré-operatória. A prevalência de anormalidades significativas, nestes testes, foi 1,8% (hemograma), 0% (hemostasia) e 0% a 0,6% (bioquímica), enquanto que a conduta anestésica / cirúrgica foi alterada, devido a tais anormalidades, em 0,1% dos casos (anormalidades em testes bioquímicos) e em nenhum caso por anormalidades ao hemograma e aos exames de hemostasia (NE 4) (4).

Uma revisão sistemática da literatura mostrou que o emprego de testes de coagulação, durante a avaliação pré-operatória, tem Valor preditivo positivo igual a 0,03 a 0,22, com razão de probabilidade positiva de 0,94 a 5,1, concluindo que o uso de tais exames é mau preditor de sangramento peri ou pós-operatório e não melhora tal predição em relação à avaliação da história clínica isoladamente (ex.: antecedente pessoal e familiar de sangramentos, uso de anticoagulantes) (NE 4). Assim, o Comitê Britânico para Padronização em Hematologia não recomenda o emprego de testes de coagulação na rotina pré-operatória (2).

Uma revisão sistemática da literatura com diretriz clínica sugere, baseada em consenso de especialistas, que testes sanguíneos pré-operatório sejam empregados de acordo com a idade do paciente (preferencialmente acima de 60 anos) associada ao score ASA (preferencialmente se ASA ≥ 3, correspondendo à presença de doença sistêmica severa) e à extensão do procedimento cirúrgico proposto (como artroplastias, amputações, cirurgias gástricas e colo-retais) (NE 5) (1).

 

Recomendações

Não recomendamos o emprego de testes pré-operatórios de rotina (Raio-X tórax, ECG, testes sanguíneos) em pacientes com proposta de cirurgia não cardio-pulmonar ou cirurgia aórtica (a evidência científica disponível mostra que o uso de tais testes não melhora a acurácia de predição de risco peri ou pós-operatório em relação à avaliação clínica isoladamente) (NE 4, GR D). 

 

 

Referências bibliográficas

 

[1]       National Collaborating Centre for Acute Care. Preoperative tests: the use of routine preoperative tests for elective surgery: evidence, methods & guidance. London (UK): National Institute for Clinical Excellence (NICE); 2003 Jun. 108 p. [118 references].

[2]       Chee YL, Crawford JC, Watson HG, Greaves M. Guidelines on the assessment of bleeding risk prior to surgery or invasive procedures. British Committee for Standards in Haematology. Br J Haematol. 2008 Mar;140(5):496-504.

[3]       Joo HS, Wong J, Naik VN, Savoldelli GL. The value of screening preoperative chest x-rays: a systematic review. Can J Anaesth. 2005 Jun-Jul;52(6):568-74.

[4]       Munro J, Booth A, Nicholl J. Routine preoperative testing: a systematic review of the evidence. Health Technol Assess. 1997;1(12):i-iv; 1-62.

[5]       van Klei WA, Bryson GL, Yang H, Kalkman CJ, Wells GA, Beattie WS. The value of routine preoperative electrocardiography in predicting myocardial infarction after noncardiac surgery. Ann Surg. 2007 Aug;246(2):165-70.

[6]       Barazzoni F, Grilli R, Amicosante AM, Brescianini S, Marca MA, Baggi M, et al. Impact of end user involvement in implementing guidelines on routine pre-operative tests. Int J Qual Health Care. 2002 Aug;14(4):321-7.

[7]       McLoud TC, Davis SD, Aquino SD, Batra PV, Goodman PC, Haramati LB, Khan A, Leung AN, Rosado de Chritenson ML, Rozenshtein A, White CS, Kaiser LR, Raoof S, Expert Panel on Thoracic Imaging. Routine admission and preoperative chest radiography. [online publication]. Reston (VA): American College of Radiology (ACR); 2006. 5 p. [39 references].

[8]       Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA, Calkins H, Chaikof E, Fleischmann KE, et al. ACC/AHA 2007 guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the 2002 Guidelines on Perioperative Cardiovascular Evaluation for Noncardiac Surgery) developed in collaboration with the American Society of Echocardiography, American Society of Nuclear Cardiology, Heart Rhythm Society, Society of Cardiovascular Anesthesiologists, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society for Vascular Medicine and Biology, and Society for Vascular Surgery. J Am Coll Cardiol. 2007 Oct 23;50(17):e159-241.

[9]       Qaseem A, Snow V, Fitterman N, Hornbake ER, Lawrence VA, Smetana GW, et al. Risk assessment for and strategies to reduce perioperative pulmonary complications for patients undergoing noncardiothoracic surgery: a guideline from the American College of Physicians. Ann Intern Med. 2006 Apr 18;144(8):575-80.

 

 

 

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